A transição energética global tem um novo protagonista no Brasil: o Nordeste. Em meio à busca por alternativas sustentáveis e de baixo carbono, o hidrogênio verde (H₂V) desponta como solução estratégica — e é nesta região que o Brasil encontra solo fértil para construir uma liderança internacional.
O Plano Decenal de Expansão de Energia 2034 (PDE 2034) reforça essa tendência: o Nordeste concentra a maioria dos projetos de grande porte em desenvolvimento voltados à produção de hidrogênio verde. O plano reconhece a crescente demanda por conexão de cargas de hidrogênio na região, o que exige expansão robusta da infraestrutura elétrica. No total, estima-se a necessidade de R$ 128,6 bilhões em investimentos em transmissão até 2034, com foco em apoiar polos industriais e eletrointensivos — como os hubs de H₂V.
Essa liderança não é obra do acaso. A região nordestina combina altíssimo fator de capacidade solar e eólico, além de disponibilidade de água e proximidade de portos com capacidade de exportação. O Porto do Pecém (CE), por exemplo, já se consolidou como hub estratégico com investimentos acima de R$ 15 bilhões. Outros portos como Suape (PE) e o futuro terminal de Parnaíba (PI) também se movimentam para atrair indústrias interessadas em exportar amônia e H₂V para Europa e Ásia.
Hoje, a região já soma projetos com capacidade potencial de produção superior a 11 milhões de toneladas de H₂V por ano, segundo dados atualizados da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e da EPE. Dentre os estados, o Piauí lidera em capacidade projetada, seguido por Ceará e Bahia — todos com memorandos de entendimento firmados com empresas estrangeiras e bancos internacionais.
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Mas essa corrida não está livre de obstáculos. O PDE 2034 alerta que a infraestrutura atual não está pronta para atender simultaneamente à demanda local e à exportação de energia para os centros consumidores do Sudeste e Centro-Oeste. A pressão sobre o sistema de transmissão pode, se não for resolvida com urgência, travar projetos bilionários e gerar gargalos para escoamento da energia necessária à eletrólise da água — etapa essencial para obtenção do hidrogênio verde.
Há também o risco da desconexão entre o discurso de transição energética e a prática regulatória. Apesar do “Marco Legal do Hidrogênio” já ter sido aprovado, sua regulamentação ainda é tímida frente à complexidade e escala dos projetos. A ausência de sinalizações fiscais claras, regimes de exportação e precificação de carbono pode comprometer a atratividade do Brasil frente a concorrentes como Chile, Austrália e Arábia Saudita — todos com legislações mais avançadas e incentivos concretos.
No entanto, os benefícios são gigantescos. O hidrogênio verde é uma via real para descarbonizar setores difíceis de eletrificar, como siderurgia, fertilizantes e transporte marítimo. Também pode reindustrializar o Nordeste e reduzir desigualdades regionais históricas. O PDE reforça esse potencial ao prever uma matriz energética com 87% de renováveis em 2034 — e a participação do H₂V será determinante para consolidar esse cenário.
É urgente que o governo federal atue em três frentes:
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Agilizar obras de transmissão e integração logística nos portos do Nordeste;
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Regulamentar o Marco Legal com incentivos e mecanismos de competitividade internacional;
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Conectar os polos de H₂V com estratégias nacionais de reindustrialização e política externa de baixo carbono.
Se o Brasil deseja cumprir suas metas climáticas e ser líder global na nova economia verde, precisa agir com a urgência que o momento exige. O Nordeste já está fazendo sua parte. Cabe ao restante do país — e, sobretudo, ao Estado — não desperdiçar essa oportunidade histórica.